quinta-feira, 25 de agosto de 2011

tamanduateí

tudo parecia correr bem durante aquele dia. o sol ardia amarelo à todos, e um vento ameno refrescava aquela manhã atípica de inverno. e, durante aquele dia bonito, ouviu-se uma batida estrondosa, que assustou a todos os que passavam, inclusive os espectadores do metrô que circulava mais acima do nível da rua. o impacto da batida foi tão forte, que os moradores do outro lado da avenida se assustaram com o que se passava naquela hora. um coletivo colidiu com um carro que fez a curva sinuosa com muita velocidade, e o carro, sendo menor, teve um estrago de cinema (no sentido mais amargo que esse adjetivo possa qualificar). os passageiros do ônibus envolvido tiveram alguns ferimentos, mas o susto de ter visto o carro se chocando no momento exato do acidente era mais visível, lhes deixou com a face aterrorizada. mas o tempo permanecia firme, não havia uma única nuvem no céu. o vento já não soprava com tanta força. os bombeiros e paramédicos demoraram a chegar, até porque o local é um aglomerado de pontos finais, e os coletivos se amontoam num vai-e-vem frenético de diversas linhas, e com todos aqueles ônibus impedindo uma passagem mais rápida e eficiente, o pânico de o motorista imprudente ter morrido se apoderou de todas as pessoas que, voluntária ou involuntáriamente se envolveram no acontecido. quando a via foi totalmente ocupada pelos salvadores locais, constatou-se o que já suspeitava: o motorista havia morrido, e, segundo um perito, a morte teria sido imediata. algumas senhoras que antes o criticavam pela atitude imprudente, estáticas na calçada, já choravam pela morte do sujeito. houve uma comoção estranha, uma sensação que unia um sentimento de dó e de raiva, pela atitude e consequência do tal motorista. o outro motorista envolvido, o do ônibus, olhava com certo pesar a ação dos salvadores, que depois de terem constatado o óbito, tentavam ser ágeis para a liberação da via, mas houve um dano imenso ao veículo, dificultando até mesmo a movimentação para um possível canteiro da via. na rua e nas calçadas, que estavam tomadas de curiosos tentando entender a situação como um todo, a pergunta era sempre a mesma: "por que ele teve esta atitude?" "por que não dirigir com segurança?". eram perguntas que, permaneceriam sem resposta.
após cerca de 30 minutos, as pessoas começaram a dispersar pelo local, com a liberação parcial da via. até mesmo os metroviários reduziam a velocidade dos trens, para tentarem entender o que havia acontecido naquele local. mas o dia, esse sim, não se importou com nada do que acontecia, e insistiu em brilhar. brilhou como se não houvesse amanhã. brilhou desesperadamente. o motorista dirigiu como se não houvesse amanhã. dirigiu desesperadamente.

o sol permaneceu sozinho no seu infinito, brilhando para pessoas que não o contemplavam.
o motorista dirigiu, para um público que duvidava de seu talento para isso. frustrou-se.
e a vida, permaneceu amarela e inerte a tudo o que acontecia a sua volta.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

celofane

você deve manter seus olhos abertos,
porque você verá ações que não se repetirão
você deve manter seus olhos abertos,
pois você enxergará na escuridão

você não deve criar um turbilhão
apenas por falta de afeto
você deve pensar com o coração
quando o futuro for incerto

você deve manter seus olhos abertos,
sua mente não pensa em vão,
para manter seus olhos abertos
é necessário evitar certas emoções

você já despedaçou vários corações
incrédulos, tolos e patéticos
mas o desfecho será vil às suas relações
destruição e finais épicos.

o ônibus

siga um caminho pré-definido,
sua espontaneidade foi esquecida
numa rua sem saída,
num eixo sem direção

seu olhar também vaga esquecido,
perdido num infinito
com fumaça e com atritos
que nos trazem a reflexão

o cansaço morre e se esvai
ao andar sentado por uma trilha sinuosa,
densa, escura e morta

o desconhecido bate a porta,
ao som do sinal, ela se abre,
e você desce de uma grande ilusão.

tatuapé

tinha tudo para ser um encontro maravilhoso: o dia estava frio, perfeito para um jantar a luz de velas e um bom vinho para ser degustado não seria recusado. o vento soprava de uma maneira suave, porém trazia ao tato um frio incômodo, quase cortante. a paisagem era cinza, um dia em que o sol não esteve presente. em cima da passarela, Heloísa esperava calma, porém ansiosa para encontrar seu amado Felipe, que estava voltando de mais um dia de serviço. por causa do tempo convidativo, decidiram se ver e aproveitar a ocasião para discutirem os preparativos de seu casamento, afinal, passaram-se 6 anos para que se tornassem noivos, e já estavam nesta condição há quase 3. Heloísa, apesar de ser uma pessoa calma, estava num nível de stress muito alto por conta desta posição importantíssima que precisavam tomar, e Felipe, por sua vez, sendo uma pessoa altamente explosiva, mostrava-se bastante calmo em relação ao que deveriam fazer, em relação ao casamento, resumindo sua preocupação em saber se sua amada apenas precisava de algum tipo de ajuda financeira, o que ela relutantemente aceitava, pois se encontrava desempregada. Heloísa tinha 25 anos, e havia concluído o curso superior, mas vivia choramingando aos seus pela falta de oportunidades que enfrentava (e Felipe, por sua vez, repudiava suas atitudes, incentivando-a a buscar algo que trouxesse a ela o prazer pelo trabalho). Felipe tinha 27 anos, e concluía seu segundo curso superior. ele era um sedento por conhecimento, não importando sua procedência. era viciado em descobrir o significado das coisas, por conta própria. Felipe chegou ao local marcado, e, após cruzar os bloqueios da estação, andaram por sobre a passarela juntos, abraçados, contra o vento que insistia em dar-lhes uma sensação de frio imensa. mas naquele momento, eles souberam: realmente se amavam.

dia chuvoso

dia cinzento,
dia chuvoso,
sopre seu vento
acalme o nervoso

dia triste,
haverá renovo?
eu sinto frio,
estou sozinho e desgostoso

dia carrancudo,
dia penoso,
apenas te peço:
me deixe sorrir de novo.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

ibirapuera

Carolina e Thiago se encontraram às duas da tarde em frente aos bloqueios da estação Brigadeiro, do metrô paulista. Quando se avistaram, ambos sorriram. Carolina era pequena, mas notável, com longos cabelos escuros e lisos. Thiago era sujeito boa-praça, bem quisto por todos os que o conheciam, e isso convencia Carolina de que ele era o seu par ideal. Naquele dia, Thiago tinha preparado uma surpresa para ela, e ninguém sabia disso. E esse foi o seu erro crucial.
Quando desciam a Avenida Brigadeiro Luís Antônio, Thiago resolveu 'sondar' um possível desejo de sua amada. Ela, charmosa como sempre foi, resolveu pedir algumas dicas, para tentar entender o que significavam aquelas perguntas cheias de rodeios. Depois de alguns bons minutos conversando e tentando entender o que se passava pelas suas cabeças, Thiago começou a dar pistas de que havia uma surpresa para Carolina. Ela logo se animou, mas a curiosidade foi maior do que se imaginou. A ponto de fazê-la emburrar-lhe a face o fato de Thiago ter pedido com calma e um sorriso no rosto (levemente sínico), dizendo que não haveria graça se ele contasse. Muito a contragosto, Carolina aceitou a condição de aguardar mais tempo para descobrir do que se tratava.
Passados alguns minutos após o princípio do desentendimento, Thiago a propôs um noivado sério, e a chance de se tornarem marido e mulher. Carolina surpreendeu-se a si mesma quando abriu um sorriso largo de orelha à orelha, afinal, ela não esperava aquilo justamente naquela hora. Carolina não tinha boa índole, e havia marcado encontro com outro rapaz logo após o primeiro encontro. Aquilo mexera com sua capacidade de ser tão fria a este ponto. Encabulada com este sentimento, resolveu contar toda a verdade à Thiago antes que fosse tarde demais, mas não adiantou muito. Thiago ficou estático com a verdade escancarada. Ficou sem chão, e até derramou uma lágrima. Carolina abaixou a cabeça, e chorou. Thiago levantou, andou alguns passos, e a chamou pelo nome. Ele jogou com um desdém cheio de desânimo, a caixinha aonde se encontravam as alianças com seus nomes cravados. Carolina percebeu o desespero daquele momento, e tentou o beijar. Thiago teve asco dela naquele momento. Voltou, apanhou a caixinha com as alianças, retirou a que tinha seu nome e jogou no lago onde os patos descançavam tranquilamente. Era um dia lindo, apesar do sol, não fazia um tempo abafado. Thiago andava sozinho, tentando fugir dos pulos de Carolina em direção à sua boca. Ele já não tinha vergonha de chorar a sua decepção. Carolina foi vencida pelo cansaço, e desistiu de tentar convencê-lo do contrário; de que poderia mudar e viver uma vida séria e comprometida. Naquela noite, Carolina trancou-se em seu quarto, e ligou inúmeras vezes para Thiago, e este por sua vez, não a atendeu em nenhuma das ocasiões. Thiago chorava todos os dias, e começou a ter aversão a tudo aquilo que ele havia vivido. Carolina, por sua vez, ficou amarga por ter cometido tantos erros contumázes com uma pessoa que sempre lhe demonstrou amor, carinho e respeito.
Passadas duas semanas, os dois cometeram suicídio. Namoraram 7 anos, e quando houve a iniciativa do casamento, descobriu-se que nenhum dos dois realmente se conhecia.

requiém de um mendigo

deito e sonho
durante um longo tempo
em querer mais conforto
mas eu estou morto
e todos me velam nesse momento

deitado, eu sonho
em querer mais um longo tempo
e durante ele, mais conforto
mas meu ser é um horto
nada se ouve além do vento

no meu sonho,
eu desejo apenas um alento,
um carinho ou um consolo
mas prefiro não abrir o olho,
a indiferença não sofreu renovo.

a penúltima estação

eu não escrevo o que vivo,
mas vivo escrevendo
não escrevo o que sinto,
não sinto o que penso

quem me dera se pudesse ser mais polido

hoje eu já não minto,
hoje eu até entendo
que o viver infinito
é apenas mais um complemento

mas viver com um vazio em si é horrível

o trem, quando sai da penúltima estação,
se arrasta por árvores e por entre a cerração
a minha mente, quando te imagina em vão,
esquece que, em mim, ainda há coração

e eu não direi verdades inteiras.