terça-feira, 15 de maio de 2012

itaquera

final de expediente é sempre aquela mesma coisa: todos saem correndo pra chegar em casa cedo, os metrôs ficam lotados e sempre colabora pro stress se manter alto. em um desses dias comuns, Daniela saiu do saguão do prédio onde trabalhava completamente cansada. ela só queria chegar em casa, poder brincar com seu cachorrinho no portão, soltar sua bolsa por sobre o sofá, ligar o som bem baixinho e pedir comida pronta pelo telefone. ela sempre pedia comida pronta pelo telefone às quintas-feiras. ela andava lentamente, sem aquela pressa comum entre todas as pessoas após o trabalho. apesar de cansada, ela admirou o pôr-do-sol como há tempos não fazia. abriu um leve sorriso. de longe, percebeu que alguém a admirava, assim como ela havia feito com o dia. seu rosto ficou corado de vergonha, mas por dentro, ficou feliz, e resolveu andar um pouco mais rápido, pra ver se seu admirador teria alguma reação. desceu as escadas mais rápido do que o normal, e se distanciou do rapaz, que tentava achá-la no meio do fluxo intenso de pessoas por aquela entrada. Daniela passou os bloqueios da estação, e deixou sua bolsa prender em um pequeno ganchinho do corrimão, apenas para olhar para trás e ver se ainda existia um admirador no seu encalço. o rapaz percebeu a ação, e deu um leve sorriso simpático para ela. Daniela tinha se decidido a, pelo menos, saber o nome do rapaz. ao sair da escada rolante, foi para um lado mais vazio da plataforma, e assim foi seguida pelo homem que a tinha encantado, sem mesmo uma palavra. o rapaz se aproximou, e disse algo que a fez rir. engataram uma conversa ligeira, e sorrateiro, o tal rapaz pediu seu número de celular. Débora hesitou, mas acabou lhe passando seu verdadeiro número. alguns minutos passados, os dois tomaram rumos diferentes, mas neste momento, já se trocavam mensagens, uma atrás da outra. Daniela sorria.
ao chegar em casa, Daniela brincou com seu cachorrinho no portão, jogou a bolsa no sofá, ligou o som bem baixinho e correu para tomar um banho. hoje não comeria sozinha em casa: o rapaz a chamou pra sair.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

travessa

andei um tempo por uma pequena travessa
todas as vezes que passei por lá, havia uma festa
lá, sempre havia tempo para uma sesta
lá, eu via o sol a brilhar.

andei um tempo por uma linda travessa
lá haviam rosas, margaridas, orquídeas e azaléias
elas atraiam quase todas as abelhas da colméia,
ficavam pra lá e pra cá a voar.

andei faz tempo por uma linda travessa
mas os prédios aqui subiram depressa
agora, por aqui só reina a pressa
dos homens de terno indo trabalhar.

ipiranga

várias pessoas correram. eu vi tudo aquilo, sem entender nada. não eram muitas pessoas, mas passavam sempre num intervalo regular, umas 4 ou 5 pessoas correndo juntas, e era notável que elas não se conheciam entre si. corriam aparentando um desespero terrivelmente contagiante. as pessoas na rua se olhavam, e esperavam que policiais (ou mesmo ladrões) pudessem estar na perseguição, mas era estranhamente bizarro perceber que não havia mais ninguém correndo além daquelas pessoas. senti uma vontade de correr atrás deles, para saber o que acontecia, mas meu receio de passar vergonha em público me impediu. eu estava apoiado num pilar, ao lado de um bar. estava numa esquina bastante famosa, os ônibus passavam, e perto de mim havia uma grande faixa de pedestres. e estavam lá, constantemente correndo, sem nenhuma razão iminente. minha curiosidade me matava, a ponto de seguir os tais corredores, apenas para satisfazer a vontade da minha mente, de entender o porquê daquilo. por um momento, me ocorreu que eu poderia estar agindo como várias outras pessoas, que também ficaram extremamente curiosas sobre aquilo que estava acontecendo, e também quiseram saber a razão de várias pessoas estarem correndo. aquilo (na minha cabeça) estava se tornando uma dízima periódica.
com muito custo, contive minha curiosidade. voltei para o local onde estava apoiado, mas dessa vez, me apoiei atento, para tentar perguntar para um daqueles corredores o que estava acontecendo. olhei a rua, e dessa vez vi um idoso correndo, apavorado. me determinei a pará-lo e entender o que se passava. e foi o que fiz: educadamente, mas com certa agressividade, encostei o senhor no pilar onde eu estava encostado, e perguntei o que estava acontecendo, e por que ele estava com o semblante tão assustado. ele mal conseguia respirar, e ao ouvir a pergunta, engoliu em seco, juntou suas maiores forças, me empurrou para o lado, e continuou a correr. mais a frente, na tal faixa de pedestres, foi atropelado por um carro (por ter atravessado mesmo com o semáforo indicando o sinal vermelho). ao ver tal cena, fui possuido por um estranho sentimento, misto de sarcasmo e dó, e me senti estranho. me aproximei do tal idoso, e junto com outros curiosos do local, conseguimos levá-lo até a calçada. sua perna sangrava, mas o idoso estava lidando bem com aquela situação. claro, me utilizei daquela situação para tentar solucionar o que se passava naquele lugar, e por que tantas pessoas corriam desesperadamente. ao repetir tal pergunta ao idoso, sua expressão se transformou completamente: de abatido, ele arregalou os olhos, e mesmo com a perna debilitada, se apoiou em um parquímetro, levantou-se e, mesmo mancando, continuou sua fuga. alguns dos curiosos decidiram ir até o local, e tentar entender o que estava acontecendo. me senti terrivelmente mal, por permitir minha curiosidade tomar conta da minha razão, mas estava decidido a entender o que se passava. desci uma pequena ladeira, ao lado de um hospital, e algumas moças mais curiosas desceram correndo para descobrir logo o que se passava. ao chegarem na esquina, sairam em disparada, assim como os outros. naquele momento, recuei. 
não queria me tornar mais um correndo sem motivo. voltei ao pilar onde estava encostado. acendi um cigarro, e segui meu caminho. andando.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

rodoviária

enquanto eu espero, os outros vem e vão
existem coisas que eu já vejo e que outros ainda verão
existem dias que o sol aparece, mesmo sem ser verão
enquanto alguns dias meus são vividos em vão

enquanto eu espero, os outros vem e vão
e durante isso, eu observo e aguardo minha vez
ouço ao fundo pessoas conversando em inglês
e espero minha amada chegar ainda este mês

enquanto eu espero, os outros vem e vão
uns com tristeza, outros com alegria
uns durante a noite e outros durante o dia
e alguns numa mistura estranha que contagia

mas eu continuo esperando, ainda existe emoção
ainda existe sentimento em ver essa movimentação

brás

Marco tomou o rumo de casa. Ele foi até alguns pontos comerciais para realizar algumas compras para sua mãe, que estava adoecida. Ele estava com algumas sacolas ecologicamente corretas. Marco se faz muito radical quando o assunto é preservação ambiental. Ele é facilmente confundido com um daqueles naturistas que abordam os pedestres pela cidade; ele tem cabelo dreadlook, usa roupas largas, sempre com estampas brancas ou floridas, quase sempre está usando sua papete "da sorte", e não confia muito no capitalismo, apesar de não ver solução mais eficiente para o mundo atual do que permanecer na situação financeira atual. Marco tem uma calma invejável, quase nunca se exalta (mesmo quando têm motivos suficientes para perder a calma). Ele julga desnecessário o descontrole. Outras pessoas tem a facilidade de se alterar, e ele gosta de se preservar calmo e sereno. Marco mora em uma cidade da grande São Paulo com a mãe e com duas irmãs. Trabalha e ajuda a sustentar a família desde os 15 anos (hoje ele tem 25 anos).
Marco escolheu o local mais vazio da plataforma para aguardar o trem que ainda não se aproximava, e sacou de seu bolso seu fone de ouvido enrolado. Tirou o player de seu bolso, e começou a ouvir a música que não foi ouvida por completa antes de desligar o artefato. De longe avistou o trem fazendo manobras e chegando próximo da plataforma a qual esperava. Ele morava em uma cidade muito afastada da cidade grande, e gostava de contar as estações e observar a circulação alheia entre os trens e as plataformas às quais ele percorria. Ele contava mentalmente, com um olhar cerrado e distante:

"Estação 1: Todos entraram no trem, alguns mais desesperados, outros (como eu), mais tranqüilos. Me encostei numa das extremidades do trem, e estou aguardando a viagem começar".

"Estação 2: O trem demorou um pouco para chegar à segunda estação, devido as muitas trocas de via que o trem precisa pegar. Mas essa estação não é tão agitada assim, só embarcam alguns vendedores ambulantes e algumas senhoras desesperadas pelos assentos especiais".

"Estação 3: Esta estação já é um pouco mais agitada, pois faz conexão com outra linha com maior circulação de passageiros. Nesta estação sempre há esbarrões, olhares tortos, e em alguns dias, alguns palavrões dali e outros de acolá. Mas a estação até que é bem bonita".

Marco continuou pensando à sua forma, observando os movimentos, os olhares, os sorrisos, as feições de tristeza, as pessoas gritando aos celulares.. Marco até gostava de tudo aquilo, ele sentia antes do que tudo, a vida acontecendo e ele participando dela.
O trem chegava a penúltima estação, e ele continuava a pensar nas estações no seu jeito 'diferente'.

"Estação 13: A maioria das pessoas desceu aqui. O trem esvazia como num passe de mágica, enquanto o trem solta um apito, quase igual a de uma pessoa que se sente 'cansada', pedindo por descanço. Oh, veja aquela senhora..."

Marco viu uma senhora que havia tido uma queda, bem na região das portas do trem. O trem apitou e prendeu a perna da indefesa senhora, enquanto as pessoas mais próximas se mobilizavam para evitar que a senhora tivesse maiores ferimentos. Marco era um deles. Após um pequeno estardalhaço e muitos gritos de indignação, o trem teve as portas abertas e a senhora foi 'salva' pelos passageiros. Enquanto a senhora caminhava com certa dificuldade para fora da estação, Marco a observava de longe, e ainda viu a senhora ser assaltada por dois garotos, antes que seu trem entrasse pelas árvores que dividiam as cidades das últimas estações da linha do trem. Ele se sentiu extremamente incapaz. Mas chegou são e salvo em casa, com as compras da mãe, e então, mais um dia se foi.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

mosteiro

minhas atitudes estão mudando
mas eu não deixarei você sentir medo
minha mente está evoluindo
por isso irei acalmar teu desespero

algumas coisas nunca mudam, apesar do esforço
mas lutar pelo teu sorriso é algo que dá gosto

estou correndo para me proteger da chuva,
me abrigo sob o toldo de um mosteiro
os olhares são turvos e estranhos
mas basta tua voz para me fazer sentir inteiro

algumas coisas sempre mudam, apesar da tradição
mas aprovo a mudança se ela trouxer você ao meu coração.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

indicadores

a luz acende, a luz apaga
a mão limpa, a mão marca
a mão pronta para o tapa
indicam minha situação

meus dedos se esvaem,
minhas idéias caem,
meus amigos me traem,
eles indicam minha posição

sozinho, volto ao caminho
cabisbaixo, triste e iludido
desejoso de um carinho
ele indica o traço do meu coração.

bela vista

após mais um expediente cansativo, Henrique tomou o rumo de sua casa sob sua turva visão, afetada pelo cansaço. decidiu não usar seus óculos, preferiu fingir que não tinha problemas. decidiu ir para sua solitária casa à pé, queria poder sentir as gotas daquela chuva quente que caia sobre a cidade. afrouxou a gravata, colocou as mãos nos bolsos, e desceu uma das ruas mais agitadas da cidade, vendo a movimentação de jovens com suas cervejas e suas conversas alegres e contagiantes, mas Henrique estava fora de si. parecia que sentiu a necessidade de alguém para andar sob a chuva com ele (de preferência, de mãos dadas). sentiu um frio inexplicável, naquela tarde que misturava o sol e a chuva numa temperatura incrivelmente alta. sentiu uma tristeza pesada dentro de si, que acabava pesando seus passos, e diminuindo seu ritmo.
em determinada altura, a tarde já dava seu adeus lento, nos presenteando com o espetáculo do crepúsculo, transformando-se em uma noite estrelada, e já sem chuva. divagou em seus pensamentos mais sujos ao passar por algumas garotas que conversavam entre si com uma animação um tanto quanto 'exaltada', mas corrigiu-se instantaneamente ao superar tão grande necessidade de companhia, a ponto de subverter seus pensamentos dessa forma.
ao chegar em casa, Henrique não acendeu a luz após abrir a porta de seu apartamento. seguiu (sem óculos) pela sala de estar, até tatear sua poltrona. virou-a de frente para a varanda, e abriu as cortinas que impediam as luzes da cidade de invadirem seu apartamento. desatou sua gravata, jogou-a sobre o móvel descuidadamente, e não se importou com nada mais. Henrique sentia fome, mas naquele momento, a tristeza que dominava seus sentimentos o impedia até mesmo de alcançar o telefone do fast-food anotado num pedaço de papel no bolso da camisa. Henrique derramou uma lágrima, e as luzes ao fundo começaram a se apagar. permaneceu sentado até que adormeceu. adormeceu apesar da tristeza que ainda permaneceu.